domingo, 5 de julho de 2009

Texto 17 - "A hora da novela"

Nesta cena estão de volta os personagens da mãe de meia-idade e do filho de trinta e poucos anos. Aqui, porém, o tom poético em que transitaram outros autores dá lugar ao olhar irônico da autora Laura da Hora sobre o cotidiano. Explorando esse texto com o mesmo tom indicado pela autora, os atores Eduardo Japiassu (Mãe) e Regina Medeiros (Filho) apresentaram um improviso sem caricatura, que manteve o efeito cômico na inversão dos papéis. Essa construção tornou nítidos os personagens e suas motivações, evidenciando a força de seus subtextos sem prejuízo do humor negro da situação. Assim, entre o deboche e a contundência de uma situação prosaica, rescendia na comicidade do absurdo diário o amargor das convivências truncadas, do desamor nunca assumido, da desumanidade vista como algo natural e aceitável. Como se tratava de uma cena mais longa que a média, também ali foi apresentada uma versão reduzida. Veja a seguir as duas versões.

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Versão Reduzida

FILHO - Mãe, preciso revelar algo.
MÃE - Na hora da novela Aguinaldo? Espere dar o comercial!
(O FILHO SE SENTA AO LADO PARA ASSISTIR A NOVELA)
MÃE - Teu filho vem amanhã?
FILHO - É sobre ele mãe...
MÃE - Espere o comercial.
(VOZES DA TELEVISÃO, ENTRA O COMERCIAL)
MÃE - Diga!
FILHO - Sobre o Tião.
MÃE - Sim.
FILHO - Tião. Meu filho...
MÃE - Sei, sei, prossiga, antes que a novela comece.
FILHO - O problema, mãe, é que eu não sei o que falar... É tão chato... Puta que pariu, puta que pariu, sei lá, mas eu preciso contar. (SILÊNCIO) Sabe o Tião? O nosso Tião? Mãe, eu não acredito que isso aconteceu comigo. Porra! Comigo, porra! (SILÊNCIO) Desculpa, mãe, mas há ocasiões em que um homem como eu, uma vez na vida, precisa explodir, mesmo que isso fira a minha índole.
(COMEÇA A NOVELA, A MÃE VOLTA A PRESTAR ATENÇÃO NA TV)
FILHO - Mãe! A senhora não vai gostar de saber.
MÃE - Não agora Aguinaldo, na hora da novela.
(SILÊNCIO. PASSA O TEMPO, VOLTA O COMERCIAL)
MÃE - Fale agora Aguinaldo, e se possível não diga palavrão que eu não gosto.

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Versão Integral

FILHO - Mãe, preciso revelar algo.
MÃE - Na hora da novela Aguinaldo? Espere dar o comercial!
(O FILHO SE SENTA AO LADO PARA ASSISTIR A NOVELA)
MÃE - Teu filho vem amanhã?
FILHO - É sobre ele mãe...
MÃE - Espere o comercial.
(VOZES DA TELEVISÃO, ENTRA O COMERCIAL)
MÃE - Diga!
FILHO - Sobre o Tião.
MÃE - Sim.
FILHO - Tião, meu filho...
MÃE - Sei, sei, prossiga, antes que a novela comece.
FILHO - O problema, mãe, é que eu não sei o que falar... É tão chato... Puta que pariu, puta que pariu, sei lá, mas eu preciso contar. (SILÊNCIO) Sabe o Tião? O nosso Tião? Mãe, eu não acredito que isso aconteceu comigo. Porra! Comigo, porra! (SILÊNCIO) Desculpa, mãe, mas há ocasiões em que um homem como eu, uma vez na vida, precisa explodir, mesmo que isso fira a minha índole.
(COMEÇA A NOVELA, A MÃE VOLTA A PRESTAR ATENÇÃO NA TV)
FILHO - Mãe! A senhora não vai gostar de saber.
MÃE - Não agora Aguinaldo, na hora da novela.
(SILÊNCIO. PASSA O TEMPO, VOLTA O COMERCIAL)
MÃE - Fale agora Aguinaldo, e se possível não diga palavrão que eu não gosto.
FILHO - Mãe, sabe o Tião e a Júlia, as minhas suspeitas?
MÃE - Mas, não sei, não me contaste nenhuma delas, mas quais são as tuas suspeitas?
FILHO - Foram confirmadas. Eu já vinha notando que o Tião... Porra mãe! O Tião não é meu filho!
MÃE - O Tião não é teu filho? Nem meu neto?
FILHO - Puta que pariu! Puta que pariu! Aquela vaca da mãe dele me enganou.
MÃE - Sim, te enganou por três anos e não sei quantos salários mínimos... És um palerma! Um grandessíssimo palerma!
FILHO - Porra mãe! Precisa tocar na ferida? Precisa? Precisa?
MÃE - Porque todo mundo te passa a perna Aguinaldo, todo mundo!

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